O Porto A Oito Vozes

Album - 2003
Musics
  • 1. Recado ao Porto

    Letra e Música – José Mário Branco
    Arranjo – Ward Swingle

    Nas margens
    Deste rio atormentado
    É que está dependurado
    O nome do meu país
    Mistura
    Entre a fuga e a procura
    Entre o medo e a loucura
    Que estão na minha raiz

    Meu Porto
    Muito mais vivo que morto
    Tu recusas o conforto
    De quem está morto de vez
    Por isso
    Eu te mando este recado
    Porque vivo atormentado
    Como o rio
    Como o rio que te fez

    Daqui houve nome Portugal
    Aqui está tudo bem e tudo mal
    Meu Porto, és o carinho que me tenho
    És a ponte de onde venho
    Entre o mar e o quintal

    Criança
    Ris e choras de seguida
    Mesmo quando a tua vida
    É o assunto da anedota
    Sentir
    É o teu modo de existir
    E és capaz de mentir
    Só p'ra não fazer batota

    Meu Porto
    Revoltado e penitente
    Invicto p'ra tanta gente
    Só por ti és derrotado
    Nas margens
    Do rio que te desflora
    Há um vulcão que demora
    E dorme sempre acordado

    Daqui eu fui embora sem vontade
    Aqui eu renasci p'rà liberdade
    Meu Porto, deixa-andar, nunca-fiando
    Que me dás de contrabando
    A alegria e a saudade

  • 2. Campanha

    Sonoplastia – Canto Nono

  • 3. Táxi - Rádio - Futebol

    Indicativo RDP-Antena 1
    Citação de NA MINHA CAMA COM ELA, canção de Mónica Sintra
    Citação de SOMEONE TO WATCH OVER ME, de Ira Gershwin&George Gershwin
    SOUSA MEDLEY, arranjo de Ward Swingle sobre marchas de John Philip de Sousa
    Indicativo TSF
    Gingle RIBEIRO CRISTÓVÃO, da Rádio Renascença
    Citação da MARCHA FÚNEBRE, de Frédéric Chopin

  • 4. As Obras da Casa da Música

    L’AMORE INDUSTRIOSO (Abertura), de João de Sousa Carvalho, arranjo Ward Swingle
    MISSÃO IMPOSSÍVEL, de Lalo Schiffrin, arranjo de Gabriel Shabbtai Rutman
    Citação do BOLERO, de Maurice Ravel
    Citação parodiada de O ELIXIR DO AMOR (“Una furtiva lacrima”), de Gaetano Donizetti
    Citação da CARMEN (“L’amour est un oiseau rebelle”), de Georges Bizet
    Citação da VALQUÍRIA (“Cavalgada”), de Richard Wagner

  • 5. Terra Quente

    Letra e Música – José Mário Branco

    É no calor do estio aceso
    Que eu fico preso
    Preso meu passo
    Tudo que faço
    É o abraço em que me aqueço
    É o sol
    O solo
    No calor intenso
    Quente, quente,
    Quem não sente
    O calor do chão não mente
    Terra, casa da gente

    Frutos da terra cantai comigo
    Que eu não consigo
    Dar-me sozinho
    Vou de passinho
    Em busca de um amigo
    É o sol
    O solo
    Diz o que eu não digo
    Quente, quente,
    Quem não sente
    O calor do chão não mente
    Terra, casa da gente

  • 6. Quando Eles Vinham à Cidade

    Letra - Germano Silva do texto QUANDO ELES VINHAM À CIDADE (parcial)
    Música - Tradicional de Trás-os-Montes, recolha Michel Giacometti´
    Arranjo – José Mário Branco


  • 7. A Gente Não Lê

    Letra – Carlos Tê
    Música – Rui Veloso
    Arranjo – Carlos Azevedo

    Ai Senhor das Furnas
    Que escuro vai dentro de nós
    Rezar o terço ao fim da tarde
    Só p'ra espantar a solidão
    E rogar a Deus que nos guarde
    Confiar-lhe o destino na mão

    Que adianta saber as marés
    Os frutos e as sementeiras
    Tratar por tu os ofícios
    Entender o suão e os animais
    Falar o dialeto da terra
    Conhecer-lhe o corpo pelos sinais

    E do resto entender mal
    Soletrar e assinar em cruz
    Não ver os vultos furtivos
    Que nos tramam por trás da luz

    Ai Senhor das Furnas
    Que escuro vai dentro de nós
    A gente morre logo ao nascer
    Com olhos rasos de lezíria
    De boca em boca passando o saber
    Com os provérbios que ficam na gíria

    De que nos vale esta pureza
    Sem ler fica-se pederneira
    Agita-se a solidão cá no fundo
    Fica-se sentado à soleira
    A ouvir os ruídos do mundo
    E a entendê-los à nossa maneira
    Carregar a superstição
    De ser pequeno, ser ninguém
    E não quebrar a tradição
    Que dos nossos avós já vem


  • 8. Acordar

    Letra – Carlos Tê

    Música – José Mário Branco

    Quando nas tílias da rua
    o primeiro pardal cantar
    com seus gorjeios felizes

    é hora do Porto acordar
    e do sol empurrar a lua
    agitam-se já as Remises

    Na Boavista e Massarelos
    tomam-se ordens diretrizes
    para bater os caminhos

    lá vão eles amarelos
    o Sete à Ponte da Pedra
    o Um para Matosinhos

    e para S. Pedro da Cova
    sai o Nove do Bolhão
    é mais baixo o tarifário

    lá vai cheio de penduras
    rebentando pelas costuras
    é o elétrico Operário

  • 9. Olha o Bolhão

    Letra – Carlos Tê
    Música – José Mário Branco

    Há um cheiro a galinheiros
    alface fresca de orvalho
    deslizam já os dinheiros
    nos segredos do retalho

    há couves-galegas e alhos
    no vaivém dos carrejões
    soletram-se os cabeçalhos
    das primeiras edições

    e logo o calão corta o ar
    desta língua sem emenda  

    é o motor a arrancar
    para outro dia de venda

    Olha o Bolhão olha o Bolhão
    vende peixe pão e flores
    madrugador coração
    patrão dos despertadores

    a estrela-mãe já vai alta
    os bancos abrem a porta
    já o polvo está em falta
    e sardinha só da morta

    e quando a Baixa engrena
    no seu cruzeiro diário
    já o Bolhão prepara a cena
    que se segue o calendário

    Olha o Bolhão olha o Bolhão
    vende peixe pão e flores
    madrugador coração
    patrão dos despertadores


  • 10. Arcádia

    Letra – Carlos Tê
    Música – José Mário Branco

    Apeiam-se as senhoras na Baixa
    seguem pela Praça vestidas de tons
    condizentes com o papel da caixa
    comprada lá no ninho dos bombons

    socializam à espera dos maridos
    burgueses de novas linhagens
    que subiram na vida de entendidos
    nos doutos mistérios das ferragens

    na Rua do Almada logo atrás
    com porta discreta pela traseira
    é chique a Arcádia com os chás
    que lá servem à nata tripeira

    e se alguém quiser apreciar
    o charme perfumado das mulheres
    é só parar à porta e espreitar
    por entre jesuítas e ecleres

    um dia chegarão de chauffer
    as ferragens vão estar na moda
    e os novos Almadas hão-de ser
    Belmiros e Amorins da alta roda

  • 11. O Nosso Café

    Letra – Carlos Tê
    Música – José Mário Branco

    A essa hora os cafés e as confeitarias vão-se enchendo,
    os ardinas gritam nomes vespertinos: Olha o Diário Popular!
    Nas mesas do fundo, junto à copa, animam-se as tertúlias
    dos poetas, congeminam-se planos de fuga:
    Olha o Notícias do Bloqueio! Olha a Invenção do Amor!,
    grita o poeta Daniel Filipe! No Majestic, sob o mais
    cerrado sigilo, Nicolau Nasoni e Gustavo Eiffel
    discutem projetos fulminantes e oníricos: nem mais
    nem menos que os há tanto tempo adiados jardins suspensos
    que um dia hão-de ligar, sobre as nossas cabeças de basbaques,
    o jardim de S. Lázaro ao jardim Botânico…

    O Nosso Café é a nossa tribo
    tem um totem invisível sobre a mesa
    para se entrar nesse clube exclusivo
    paga-se uma joia de tributo à beleza

    e é preciso ter perfil de anjo fumador
    para entre névoa de voar mais alto
    só assim se alcança o ar sonhador
    que tinham os poetas do Rialto

    fazendo do café sua oficina
    talhadores do sonho na vigília
    velando com o verbo cada esquina
    regando com o olhar cada tília

    murmurando orações de livros
    como de segredos bem guardados
    enquanto a alma tece nos arquivos
    os poemas ainda não revelados

    sejamos sonhadores inveterados
    passemos a caneta pelos cadernos
    e se os cafés têm os dias contados

  • 12. Viela do Anjo

    Letra – Carlos Tê
    Música – José Mário Branco

    O sino da igreja de Cristo-Rei bate as seis
    de forma sepulcral espantando
    a passarada de Serralves. Às portas de
    Ramalde, um alfaiate viúvo sente um
    calafrio na espinha e julga pressentir
    breve a sua hora. Pousa a tesoura, veste
    o melhor fato, e apanha o Quatro
    para a Praça. Quer tomar pela última vez
    um galão no Astória, engraxar os sapatos
    por baixo dos bilhares do Imperial.
    Acima de tudo, ter um último encontro
    com uma certa Laura na Viela do Anjo.
    E, no fim, comer umas papas de sarrabulho
    na Flor dos Congregados. Só então,
    consolado, voltará aos cortes e às medidas,
    pronto para abraçar o criador…

    Se meteres à Viela do Anjo
    e deres com o amor venal
    de dois seres infelizes
    não te escandalizes
    qualquer amor vale

    nesse amor sem sal
    talvez dum magala
    em folga semanal
    quase nem se fala
    é o amor carnal

    que há nas meretrizes
    mas não moralizes
    assim dum arranjo
    nunca tu precises
    na Viela do Anjo

  • 13. Lá Vem o Operário

    Letra – Carlos Tê
    Música – José Mário Branco

    É domingo finalmente
    dorme-se até às dez
    dá-se uma volta pela Foz
    e ainda se molha os pés

    lá na praia do Ourigo
    se o mar não estiver picado
    eu fico a ver não vou contigo
    sabes que fico constipado

    Isto nem parece o Verão
    a nortada está contra nós
    vamos ver uma sessão
    já ali no Cine-Foz

    tlim, tlim, dá cá outro beijo
    não me evites por favor
    Elétrico do Desejo
    Marlon Brando é o revisor

    mudança na tabuleta
    vira ao contrário o banco
    é que além de ir à tesoura
    o filme era a preto e branco

    vai partir o Dezassete
    lá vai ele na esgalha
    vamos lá picar bilhete
    um de quinze prá Batalha

    ai ó senhor guarda-freio
    no Castelo do Queijo
    deixe-me mudar a linha
    é o meu maior desejo

    desde que sou criancinha
    vai aqui um passageiro
    que quer mudar a agulha
    e por uma vez ser agulheiro

  • 14. Domingo Finalmente

    Letra – Carlos Tê
    Música – José Mário Branco

    É domingo finalmente
    dorme-se até às dez
    dá-se uma volta pela Foz
    e ainda se molha os pés

    lá na praia do Ourigo
    se o mar não estiver picado
    eu fico a ver não vou contigo
    sabes que fico constipado

    Isto nem parece o Verão
    a nortada está contra nós
    vamos ver uma sessão
    já ali no Cine-Foz

    tlim, tlim, dá cá outro beijo
    não me evites por favor
    Elétrico do Desejo
    Marlon Brando é o revisor

    mudança na tabuleta
    vira ao contrário o banco
    é que além de ir à tesoura
    o filme era a preto e branco

    vai partir o Dezassete
    lá vai ele na esgalha
    vamos lá picar bilhete
    um de quinze prá Batalha

    ai ó senhor guarda-freio
    no Castelo do Queijo
    deixe-me mudar a linha
    é o meu maior desejo

    desde que sou criancinha
    vai aqui um passageiro
    que quer mudar a agulha
    e por uma vez ser agulheiro

  • 15. Aniki-Bóbó

    Letra – Alberto Serpa
    Música – Jaime da Silva Filho
    Arranjo – José Mário Branco

    Nas horas em que te veja
    Co’a tristeza ando de mal
    Sou como o adro da igreja
    Em domingo de arraial

    Abre-se a tua janela
    E a vida fica mais bela
    Nas horas sem á-bê-cê
    Três vez nove vinte-e-sete
    Sou como o sol que te vê
    E com quem ninguém se mete

    Abre-se a porta da escola
    Sai o pardal da gaiola

    Lenga-lenga:
    Aniki- bébé
    Aniki-bóbó
    Passarinho tótó
    Birimbau, cavaquinho
    Salomão, sacristão
    Tu és polícia, tu és ladrão
    Eu não quero ser ladrão

  • 16. Ribeira de Dia

    Textos – Canto Nono/José Mário Branco
    Arranjo – José Mário Branco

  • 17. Etelvina

    Letra e Música – Sérgio Godinho
    Arranjo – José Mário Branco

    Etelvina com seis meses já se tinha de pé
    Foi deixada num cinema depois da matiné
    Com (um) recado na lapela que dizia assim
    Quem tomar conta de mim
    Quem tomar conta de mim
    Saiba que fui vacinada
    Saiba que sou malcriada

    Etelvina com dezasseis anos já conhecia
    Todos os reformatórios da terra onde vivia
    Entregaram-na a uma velha que ralhava assim
    Ai menina sem juízo
    Nem mereces um sorriso
    Vais acabar num bueiro
    Sem futuro nem dinheiro

    Eu durmo sozinho à noite
    Vou dormir à beira-rio
    À noite, à noite
    Acocorado com o frio
    À noite, à noite, à noite, à noite, à noite

    Etelvina era da rua como outros são do campo
    Sua cama era um caixote sem paredes nem tampo
    Sua janela uma ponte que dizia assim
    Dentro das minhas cidades
    Já não sei quem é ladrão
    Se um que anda fora de grades
    Se outro que está na prisão

    Etelvina só gostava era de andar p’la cidade
    A semear desacatos e a colher tempestade
    A meter-se co’os ricaços e a dizer assim
    Você que passa de carro
    Ferre aqui a ver se eu deixo
    Venha cá que eu já o agarro
    Dou-lhe um pontapé no queixo
    Eu durmo sozinho à noite
    Vou dormir à beira-rio
    À noite, à noite
    Acocorado com o frio
    À noite, à noite, à noite, à noite, à noite

    Etelvina já cansada de viver sem ninguém
    A não ser de vez em quando nas mãos dum vai-e-vem
    Pôs (um) anúncio no jornal a dizer assim
    Mulher desembaraçada
    Quer viver com um’ alma irmã
    De quem não seja criada
    De quem não seja mamã

    Etelvina já sabia que não ia encontrar
    Nem um príncipe encantado nem um lobo do mar
    Só alguém com quem pudesse dizer assim
    O amor já não é cego
    Abre os olhinhos à gente
    Faz lutar com mais apego
    A quem quer vida dif’rente

    O seu homem encontrou à noite
    A dormir à beira-rio
    À noite, à noite
    Acocorado com o frio
    À noite, à noite, à noite, à noite, à noite

  • 18. Ribeira à Noite

    Textos – Canto Nono/José Mário Branco
    Arranjo – José Mário Branco

  • 19. Répe da Requalificação

    Letra – Carlos Tê/José Mário Branco
    Música – José Mário Branco

    Descia Sá da Bandeira
    a tentar estacionar
    para ir inaugurar
    a Rua do Bonjardim
    vem uma betoneira
    direita a mim
    em rota de colisão
    viro o bote em direcção
    à Praça de D. João
    mas era um beco sem saída
    tal e qual a minha vida

    nada é certo nem seguro
    morre de velho o futuro
    há quem queira deixar obra
    mas para mim é que sobra
    este futuro atrasado

    vem um diz: é o mercado!
    vem outro: é a globalização!
    um pé no chão esburacado
    outro no meio da lama
    quem é não sei,
    só sei
    que alguém me anda a fazer a cama

    “Pr’inzemplos”:
    Junto ao Rivoli vejo um letreiro:
    perdão pelo incómodo
    a cidade está primeiro
    é a requalificação!
    - requalificação?
    essa palavra dá-me cá um flashão
    fico em plena reflexão
    tenho uma iluminação
    vejo a Europa mesmo à mão
    sinto-me em franca progressão
    no meio deste barulho

    acabou-se o sarrabulho
    da Flor dos Congregados
    acabaram-se as sandes de panados
    a costeleta de sardinha
    o petisco de tripinha
    e os peixinhos da horta
    a Europa já entrou por esta porta
    eu, que sou tudo e sou nada,
    já não quero comer mal
    - é bem!
    vou domingo ao Imperial
    que Deus tem
    p’ra curtir carne picada
    com quètchupe e com mostarda
    é a requalificação
    da minha alimentação
    - fézada!

    quem diria!
    tudo na mesma arca
    tudo com roupa de marca
    - fézada!
    retocar a frontaria
    como na Cordoaria
    e ser um homem novo, renovar o oxigénio, 
    resumindo e concluindo
    entrar lindo no milénio

    - resumindo e concluindo:
      re-qua-li-fi-car, é lindo!

    Porto bai naite
    Porto bai dei
    requalifica-te tu
    que eu me requalificarei

    meto a Santa Catarina
    pinto a fachada dos Pintos
    com um “blaze” da Boss
    e uma calça do Armani
    como é que posso armar-me
    se compro na Maconde
    e as minhas requalificações
    são em suaves prestações?
    viro à esquerda à Trindade
    vejo a Micas de olhar cansado
    então como vai o granito?

    vai duro muito obrigado
    as pedras conheço eu
    as pedras olham p’ra mim
    com um sorriso amarelo
    esboroadas
    alinhadas
    em carrerinhas sem fim
    e sendo mulher perdida
    vejo a vida em paralelo
    porque um dia aconteceu
    que vim servir de criada
    agora, eu já não sou eu
    no túnel da minha vida
    que por hora é só entrada
    há-de haver uma saída
    quem pára nesta estação
    não tem requalificação
    penetro e sou penetrada
    meretriz tuneladora
    à espera dum amanhã
    entre a Trindade e Campanhã
    eu fui requalificada
    muito antes da calçada
    - é bem!

    requalificação?
    só então caio em mim
    e constato o facto
    de estar fora do acto
    não há Benetton que me pinte
    pois a minha cotação
    não consta do Psi-vinte

    - resumindo e concluindo:
      re-qua-li-fi-car, é lindo!

    Porto bai naite
    Porto bai dei
    requalifica-te tu
    que eu me requalificarei

    já que é assim, requalifico
    fumo mais um pico
    e até a luz do Outono
    me há-de parecer Paris
    o Aleixo
    o Cerco e o Lagarteiro
    vão tomar
    banho numa tina de verniz
    o lindo verniz que pinta
    as unhas da sociedade
    muito verniz, pouca tinta
    em nome da liberdade
    é nos bairros camarários
    que definham os salários
    mas que mal é que isso tem
    se o euro já aí vem
    - é bem!

    dez cêntimos de fachada
    trocados por votos valem cem
    fica requalificada
    a gaiola dos coelhos
    e o Bonfim não sai da beira
    de São Roque da Lameira
    e os novos que já estão velhos
    podem ficar com a basófia
    droga dura, dura bófia
    linha de circunvalação
    São Vítor e Aldoar
    João de Deus e Campinas
    tudo a requalificar
    pó de talco pelas narinas
    - é bem!

    ir à Ribeira
    beber um copo, jantar
    mandar os nativos pastar
    lá para Gondomar
    pôr no Cubo uma portagem
    só entra gente bonita
    é preciso boa imagem
    o arrumador a arrumar
    quem pode pagar, no bar

    caneca atrás de caneca
    engatar uma boneca
    e depois de vomitar
    a solidão na retrete
    abanar o capacete
    no inferno da discoteca
    curte-se Malboro laite
    troca-se a poeira do Porto bai dei
    pelo pó do Porto bai naite
    por um momento direi
    sou rei, sou rei, sou rei
    que nada me distraia
    da gandaia

    - resumindo e concluindo:
      re-qua-li-fi-car, é lindo!

    Porto bai naite
    Porto bai dei
    requalifica-te tu
    que eu me requalificarei

  • 20. São João do Porto

    Letra e Música – José Mário Branco
    Arranjo – Ward Swingle

    Nas margens
    Deste rio atormentado
    É que está dependurado
    O nome do meu país
    Mistura
    Entre a fuga e a procura
    Entre o medo e a loucura
    Que estão na minha raiz

    Meu Porto
    Muito mais vivo que morto
    Tu recusas o conforto
    De quem está morto de vez
    Por isso
    Eu te deixo este recado…

  • 21. Recado ao Porto (final)

    Letra e Música – José Mário Branco
    Arranjo – Ward Swingle

    Nas margens
    Deste rio atormentado
    É que está dependurado
    O nome do meu país
    Mistura
    Entre a fuga e a procura
    Entre o medo e a loucura
    Que estão na minha raiz

    Meu Porto
    Muito mais vivo que morto
    Tu recusas o conforto
    De quem está morto de vez
    Por isso
    Eu te deixo este recado…

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